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Conto- Fantasia- Figuras de Linguagem

Mergulhe neste conto de fantasia onde as Metáforas Foram Sequestradas e a Linguagem mudou para sempre. Não perca essa leitura fascinante!

O Sequestro das Metáforas

O Sequestro das Metáforas. Figuras de linguagem, fantasia . Escritor Alexandre Naves.

Eram dois reinos totalmente distintos, felizes por ignorarem a existência um do outro.

O primeiro era o reino dos homens, seres brutos, hostis e violentos, dados a poucas palavras e pouco afeitos à poesia. Salvo raras exceções, seus parcos registros resumiam-se às conquistas históricas, aos relatos de dominação e pilhagens, pois os homens eram saqueadores por natureza. O outro reino era mais harmônico, ordeiro e sublime; era o Reino das Palavras, que ao contrário dos homens, vivia uma longa era de paz, sendo praticamente desconhecida a ocorrência de guerras civis ou de dominação em toda a sua rica história.

Entretanto, uma nuvem de medo pairava no horizonte daquele reino repleto de beleza e harmonia, trazendo fundados temores de que a paz pudesse estar com os dias contados. A razão? Talvez influenciados por sua proximidade com a raça dos orgulhosos homens, alguns membros da elite daquele ilustre império, mais especificamente a nobilíssima casta das Metáforas, vinha travando uma ferrenha disputa interna, onde cada Metáfora argumentava ser a mais bela e a única que emprestava à comunicação o real sentimento transmitido pelas figuras de linguagem e de pensamento.

Inicialmente, seu governante, o sábio Rei Eloquente I, tentou ele mesmo resolver o assunto, mas as intrigas palacianas chegaram a tal ponto que o Rei temeu pelo esfacelamento de seu próspero e pacífico reino, e temerosas que de alguma forma o monarca pudesse ser parcial em seu julgamento a fim de encerrar logo a contenda, as Metáforas recusaram o veredicto real e exigiram uma arbitragem externa. Após muita discussão, o Rei e os querelantes aceitaram que os homens fossem os juízes dessa questão, ficando decidido que o resultado de tal julgamento seria irrevogável. Pelo bem da lisura e transparência no processo, também ficou decidido que seriam sorteados os nomes dos homens que atuariam como juízes e que qualquer um poderia participar, não importando se o sorteado era de nobre estirpe ou um humilde plebeu, afinal, todos não passavam de bárbaros. Realizado o sorteio, verificou-se que apenas um dos juízes não era da nobreza, mas tratava-se de um andarilho que vez por outra tentava se aproximar do Reino das Palavras.

E assim foi feito. Na data marcada, todas as Metáforas, vestindo seus mantos mais suntuosos, brindaram todos os presentes com as mais belas comparações e parábolas, e ao fim do último pronunciamento, os juízes e juízas estavam boquiabertos e sentiam suas almas enlevadas pelo que tinham acabado de ouvir. Durante um longo tempo, os homens reuniram-se em conclave, perguntando-se como conseguiram até o presente momento comunicar-se de maneira tão literal, lacônica e sem a beleza das Metáforas. Como era de se esperar, seus espíritos pobres e limitados não estavam preparados para tamanha variedade e riqueza de vocabulário, de modo que foram incapazes de decidir qual era a mais bela.

Entretanto, o Rei Eloquente I exigia que cumprissem o acordo e dessem o seu veredicto. Ninguém sabe se o que aconteceu a seguir foi premeditado ou se os homens o fizeram em função do arrebatamento causado pelas Metáforas, mas a verdade é que eles investiram contra os guardas do Rei, sequestraram as Metáforas e retornaram às suas terras levando-as consigo, pois sentiam que não podiam mais separar-se de sua beleza. Sequestrar as Metáforas mudou para sempre o espírito dos homens, pois o convívio fez a comunicação entre eles atingir um alto nível de excelência, assim, eles as imortalizaram nas mais belas canções, poesias, crônicas, sonetos, contos e até registros históricos com linguagem mais rebuscada e culta. Provavelmente, foi o crime mais justificável na história da humanidade.

Como os homens desenvolveram trabalhos de beleza singular, com o tempo o seu crime foi esquecido. Na realidade, a humanidade jamais se referiu a eles como sequestradores, mas como contistas, poetas, compositores, jornalistas e historiadores, sendo que o talento de muitos é do conhecimento geral. Por exemplo, um dos juízes foi Caius Julius Caesar, que sequestrou e eternizou a metáfora Assíndeto em sua conhecida sentença “Eu vim, vi, venci”.

Outro amante das Metáforas foi o poeta Olavo Bilac, guardião da Polissíndeto, que imortalizou a beleza de sua prisioneira nos versos “falta-lhe o solo aos pés: recua e morre, vacila e grita, luta e ensanguenta, e rola, e tomba, e se despedaça, e morre”.

E o que dizer do célebre Vinícius de Moraes, que conseguiu dar poesia à Metáfora Pleonasmo, quando afirmou que “em seu louvor, vou rir meu riso e chorar meu pranto”? O juiz Chico Anysio foi tão genial que deu visibilidade até mesmo à outrora desprezada Onomatopeia, quando todos adotaram o seu bordão “é rapidinho, é vapt vupt”.

Em função do sequestro, vários daqueles juízes e juízas tornaram-se escritores famosos, como Luís de Camões, Clarice Lispector, Cora Coralina, Shakespeare, Fernando Pessoa, Monteiro Lobato, Cruz e Souza, Tom Jobim, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Motta e tantos outros. Ao aplicarem a beleza das metáforas em seus textos, estes gênios da palavra escrita brindaram a humanidade com livros, poemas, ensaios, artigos e contos de valor incalculável e beleza incomparável. Foi um crime que realmente compensou!

E o que foi feito do andarilho que também atuou como juiz? Poucas informações vieram a público sobre sua identidade, mas sabe-se que a Metáfora por ele arrebatada foi a Prosopopeia, também conhecida como Personificação, por quem apaixonou-se perdidamente, uma vez que ele cultuava a abstração poética de sua prisioneira, que transformava objetos abstratos e inanimados em seres viventes e pensantes. Aliás, foi justamente o que esse andarilho fez ao dar vida às Metáforas neste conto, uma vez que é ele o seu autor.

Escrito por Alexandre Naves

Conto de fantasia, figuras de linguagem
Obra publicada no livro Prosa e Verso XXII

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