Conto

Humor– ironia

Dom Moisés descobre o sumiço dos padres em um conto humorístico e irônico sobre missas, churrascos e pecados inusitados. Confira essa história divertida!

O SUMIÇO DOS PADRES

Conto vencedor do Prêmio VIP de Literatura 2018.

Prêmio Literário -Antologia conto de humor escrito por Alexandre Naves.
Prêmio VIP de Literatura

O bispado de Dom Moisés já durava vinte e dois anos e este aguardava ansiosamente a sua aposentadoria, com a consciência limpa de ter cumprido fielmente seu dever pastoral. Já tinha tudo planejado: deixaria Porto Alegre e retornaria ao interior do seu amado Rio Grande do Sul, onde se recolheria ao mosteiro e passaria o resto de seus dias cuidando das videiras, rezando e entregue à leitura. Quando o Cardeal Dionísio veio visitá-lo, Dom Moisés quase pulou de alegria, achando que o amigo tinha trazido sua liberação, mas na realidade, Sua Eminência veio trazer-lhe uma derradeira missão: assumir uma diocese no sul de Minas Gerais, onde o bispo morrera trágica e inesperadamente num acidente de automóvel. Tão logo o novo bispo assumisse seu posto, Dom Moisés estaria liberado. Mesmo sentindo-se cansado, ele cumpriu com seu voto de obediência e partiu para assumir sua nova designação.

Agora, um mês após tomar posse, lá estava ele examinando alguns papéis e intrigado com um fato que estava ocorrendo em quase todas as paróquias da diocese: por que as missas de sábado à tarde eram rezadas pelos diáconos? Se fosse uma ou outra paróquia ainda vai, mas todas? E sempre aos sábados? Pelo que estava lendo, isso vinha acontecendo havia pelo menos cinco meses, e sua vivência gritava: tem coisa errada aí, e ele ia investigar.

Sob o pretexto de conhecer seu rebanho, ele iniciou uma jornada de visitas a todas as paróquias e, numa delas, seus olhos experimentados identificaram a maior “papa-hóstia” do local, Dona Margarida. Não foi nem preciso pressionar muito a pobre beata, ela logo entregou: os padres iam todos os sábados para o sítio do Nhô Quim, mas jurou pela alma do seu finado esposo Gumercindo que não sabia o que ficavam fazendo lá.

“Ah, mas eu vou descobrir”, pensou Dom Moisés, preocupado. E assim, sabedor da localização do sítio e, após admoestar severamente Dona Margarida para que ficasse com a boca fechada, no sábado seguinte, de manhazinha, o bispo partiu para tirar a limpo essa história do sumiço dos padres. Logo que chegou à cidade, arrumou uma mula emprestada e armou campana num bambuzal próximo da entrada do sítio, de onde podia ver quem chegava sem ser visto. Ficou ali por mais de duas horas, e contou pelo menos oito padres chegando. “Está na hora”, pensou ele, fazendo o sinal da cruz e temeroso do que ia encontrar. Como o portão estava aberto, ele entrou sorrateiramente, aproximou-se do rancho e abriu a porta de supetão, surpreendendo todos que estavam ali, mas indubitavelmente a surpresa maior foi a sua. Os padres estavam todos reunidos num animado churrasco; sobre a mesa estavam generosos gomos de linguiça, um suculento pedaço de picanha e três garrafas de cachaça que o Padre Benedito tentava (inutilmente) esconder.

— Senhores, estou estarrecido — rugiu Dom Moisés.

— Senhor bispo, nós… — um dos padres tentou dizer, trêmulo.

— Nem um pio, padre João! Os senhores estão cometendo o pecado da embriaguez, do egoísmo e o da carne.

— Tenha misericórdia! — Implorou outro padre.

— Absurdo! Cometem o pecado do egoísmo quando fazem um churrasco e não convidam o seu bispo, mesmo sabendo que ele é gaúcho! Cometem o pecado da embriaguez quando, com tanto alambique bom por aqui, bebem uma cachaça vagabunda de boteco que vai acabar com o fígado de vocês! E, finalmente, cometem o pecado da carne quando tiram a gordura da picanha, e o pior dos sacrilégios: usam sal fino para temperar. Padre Benedito, largue essas garrafas, corra ao alambique do Zenão e traga um garrafão de cachaça com pau de canela, e você, Padre João, vá lá na casa do Nhô Quim buscar sal grosso que vou mostrar a vocês como se faz um verdadeiro churrasco!

Dezembro de 2017.

Escrito por Alexandre Naves 

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